CRÍTICA: BEETLEJUICE BEETLEJUICE: O quanto tememos o presente e nos agarramos ao passado.
- João Paulo
- 9 de set. de 2024
- 4 min de leitura
Conforme penso se realmente escrevo mais uma vez sobre isso, me sinto como um disco arranhado. Muitas idas ao cinema em 2024 têm sido como um disco arranhado. Não me lembro de um ano tão fraco como esse. Inúmeras vezes escrevi aqui na página sobre a mediocridade, o saudosismo, o conforto e o medo de arriscar. O medo de dar à luz a histórias originais e se arriscar com o novo. Enquanto ficamos afogados em sequências e remakes, sendo poucos deles filmes que realmente avançam, a impressão que tenho é que talvez esse ano o cinema realmente tenha parado. Talvez até mais do que em 2020, no começo da pandemia. Não parar no sentido literal, mas criativamente. Este ano realmente paramos. Não faltam exemplos de filmes, como Motel Destino, O Mal Não Existe, Challengers, e artistas que vão na outra direção e continuam se arriscando, mas quantas dessas histórias chegam ao grande público? O grande público está interessado? O quanto disso é nossa culpa e o quanto as pessoas estão sendo condicionadas, subestimadas, a consumirem somente esse tipo de produto? Após consecutivas decepções, Beetlejuice Beetlejuice foi o filme que, para mim, foi a gota d’água. Me senti no dever de escrever, mais uma vez, sobre isso. No dever de trazer esse questionamento e impulsionar um olhar crítico sobre a forma como o cinema e a indústria têm se comportado este ano.
Beetlejuice de 1988, dirigido por Tim Burton, é o diretor no seu ápice artístico e criativo. Até hoje, continua sendo um filme que emana criatividade, paixão, humor e amor. Sua forma é a cereja do bolo. A ousadia, os diálogos afiados, personagens inesquecíveis, efeitos especiais e práticos, cenários e todo um universo inovador e memorável criado para essa história. Um legado que vive até hoje. Felizmente ou infelizmente, viveu o suficiente para tentarem reproduzir hoje algo que ficou em 1988. Toda sequência, revival, remake ou reboot enfrenta o desafio do tempo e como essa história, de um tempo que não existe mais, conversa com o nosso hoje. Beetlejuice Beetlejuice, a princípio, parecia apostar em algo diferente. Fiquei bastante animado nos primeiros vinte minutos e mergulhei de cabeça naquela experiência. No entanto, conforme o filme foi se desenrolando na tela, fui reconhecendo padrões, limitações e uma zona de conforto assombrosa.
O quão saudável é esse comportamento? Esse fenômeno já completa alguns anos. Seja o retorno de bandas, o retorno de filmes, séries, etc. Um olhar para trás vicioso. Uma tentativa desesperada de controlar o tempo, impedir que ele siga seu fluxo natural. Um empenho ansioso por aquilo que é familiar, conhecido e confortável. É um reflexo do nosso tempo. Rio comigo mesmo quando me lembro de uma temporada de South Park de 2016, onde exploram muito bem esse sentimento de nostalgia através das “member berries” ou, no português, traduzido livremente por mim, as frutinhas “cê lembra?”. David Lynch, com maestria, também já compartilhava com o mundo, em 2017, o seu manifesto anti-nostalgia que foi a terceira e última temporada de Twin Peaks. Um exemplo brilhante e disruptivo do que um reboot pode e deve ser. Espero revisitar Twin Peaks: The Return no futuro e escrever sobre como Lynch redefiniu o que é fazer um reboot. David desafia e brinca com as expectativas da audiência. Ele constantemente questiona os prazeres familiares e a recompensa que a nostalgia oferece facilmente para o espectador.
Quase dez anos depois, diante desse contexto, volto novamente o pensamento para Beetlejuice Beetlejuice. Assim como Alien: Romulus e tantos outros exemplos deste ano, o filme brilha quando não tenta ser o anterior. Por isso, o meu entusiasmo com o primeiro ato e as expectativas que ele cria com base nos novos personagens, novos cenários, problemas, etc. Existe um “guilty pleasure” quando vemos Winona Ryder, mais uma vez, interpretando Lydia Deetz. Ver novamente Michael Keaton e Catherine O’Hara em seus personagens aquece nossos corações. Como também é ótimo conhecer novos personagens interpretados por Monica Bellucci, Willem Dafoe e Jenna Ortega. Mas o que fazer com esses personagens? Delores, interpretada por Monica, tem uma das melhores cenas de entrada de uma personagem do ano e, ainda assim, é esquecida. Deixada de lado, sem um propósito, e descartada rapidamente. Perdida, como o filme, num emaranhado de enredos. Estes que, ainda que muitos, pouco acrescentam. Ao invés de focar no pouco com qualidade, focam no muito com pouca qualidade. Valorizam a repetição e o convencional. O próprio Beetlejuice perde um pouco da sua presença e fica perdido na narrativa. Não apresenta evolução, não avança. O final, que rende uma cena divertidíssima, tem também o momento mais anticlimático do filme.
Por outro lado, o filme mantém o humor quebrado que funciona, rende boas cenas e abusa da imaginação. As melhores qualidades de Beetlejuice Beetlejuice estão em sua originalidade, aleatoriedade e descompromisso com a realidade. Há momentos musicais e cartunescos, uso de stop-motion, cenários fantasiosos, personagens excêntricos, peculiares, caóticos, e uma atmosfera única e típica de Tim Burton. Tudo isso é claro e torna essa experiência agradável. Existe, sim, uma ampliação do universo criado no primeiro filme, mas parece ser, principalmente, uma reprodução desse mesmo universo em 2024. Existe uma contemporaneidade, os reflexos do nosso tempo estão ali, mas o charme, aquela característica única e irreplicável, não está lá. Por isso, é tão importante criar algo novo daquilo que já existe. Não tentar recriar algo impossível de recriar. É um processo de ganhos e perdas.
Esse momento, assim como qualquer outro, é passageiro. É o espelho de uma sociedade que não suporta o presente. Quanto às perguntas que fiz no começo do texto: existe, sim, uma responsabilidade da indústria no alcance dessas histórias, mas também exige uma mudança de postura de cada um de nós. Interesse pelo desconforto, pelo novo, pelo diferente, pelo presente. Estamos, sim, desinteressados, condicionados, somos subestimados, mas também somos culpados. O meu papel aqui não é dizer “esse filme é ruim; esse filme é bom; assista; não assista”, mas impulsionar esse desejo por mais. Não se contentem com pouco. Vocês merecem muito.
“Let the past die. Kill it, if you have to. That's the only way to become what you are meant to be.” - Star Wars: Episode VIII - The Last Jedi
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