CRÍTICA: BREAKFAST ON PLUTO - Histórias como um refúgio
- João Paulo
- 12 de jun. de 2024
- 3 min de leitura

Sempre acreditei no poder transformador das histórias de refletir nossas vidas e nos lembrar de nossa humanidade provocando uma mudança que nos torna, quando possível, pessoas melhores. Elas são algumas das formas que encontramos para entender melhor o mundo e a nós mesmos. Os contos de fadas que escutamos quando crianças, e de certa forma continuamos escutando durante toda a vida, são reflexos de nossa realidade. Ao mesmo tempo que conseguem ser catalisadores e incentivam o pensamento crítico, os contos de fadas também são um refúgio para nós. Neles projetamos nossas fantasias, medos, apreensões e crenças. Em Breakfast on Pluto, Kitten, que cresceu com uma identidade que vai além da compreensão dos moradores do interior da Irlanda, criou para si um mundo de conto de fadas.
Kitten nunca se reconheceu como um menino e, desde criança, apresentava um interesse muito grande por roupas, vestidos e saltos. Ela desafiava constantemente os preconceitos dos mais velhos de maneiras irônicas e leves. Nunca deixava de ser quem ela realmente era, mas não foi um processo fácil. Kitten foi abandonada quando ainda era bebê e cresceu sem saber quem eram seus pais biológicos. Uma mulher a acolheu, mas nunca soube lidar com a sua feminilidade. Kitten sonhava em encontrar sua mãe biológica um dia e por isso inventou uma personagem inspirada nela: a Dama Fantasma. “Engolida pela maior cidade do mundo, Londres”. Mesmo que as pessoas a coloquem para baixo continuamente, ela apresenta uma forma especial de ver o mundo. Com o filme dividido em capítulos, Kitten conta sua história com criatividade e fantasia.
Breakfast on Pluto transmite muito bem para o espectador essa forma única de Kitten de ver o mundo. Algo que é amplificado por Cillian Murphy que entrega uma performance excepcional, capturando a vulnerabilidade e a força de Kitten com uma sensibilidade impressionante. Sua atuação é um dos pontos altos do filme, ajudando o público a criar uma profunda empatia com a personagem. É através dessa forma de ver o mundo que entendemos como Kitten assume seu próprio conto de fadas como uma forma de mecanismo de defesa contra a brutalidade da sua vida. Muitos não a compreendem e a julgam como louca e deslocada da realidade. No fundo, ela é apenas uma pessoa muito machucada procurando desesperadamente por algo que faça sentido. Essa é a forma que Kitten encontrou de sobreviver diante do abandono, da violência e da manipulação. Ainda que o mundo externo seja tão cruel, é mais sobre sua jornada interna e como ela lida com os outros do que qualquer coisa.

Depois que Kitten parte para sua própria aventura, encontra várias pessoas e lugares. Em todos eles, independente de quem eram, de onde eram, ela buscava pertencimento, buscava encontrar aquilo que ainda não conhecia, um lar. Há uma ingenuidade e uma inocência que atrapalham seu processo. Ao mesmo tempo em que existe um desenvolvimento da personagem em cada etapa, há uma repetição de padrões que a colocam novamente nesse lugar confortável, mas logo desencadeiam um questionamento sobre sua postura diante do mundo e dos outros.
Enquanto assistia a Breakfast on Pluto, não senti que conseguia criar uma conexão mais profunda com os outros personagens além de Kitten. Como se não houvesse tempo para isso. Seus amigos mais próximos não são tão explorados tirando a chance de nos conectarmos com eles. Isso inclui os outros personagens que, assim que começam a fazer parte da história, são deixados para trás. É algo que, de certo modo, até conversa com a narrativa no sentido da Kitten ser uma personagem em constante movimento, mas, ainda assim, senti que o filme poderia ter costurado melhor essas interações. Em alguns momentos Breakfast on Pluto apresenta semelhanças com um road-movie, mas falta uma unidade e harmonia que mesmo nesse tipo de narrativa é comum. Contudo, essa característica inconstante não compromete a experiência.

Ainda que seja uma história dura de sofrimento, Breakfast on Pluto é principalmente sobre pertencer. Todos nós buscamos um lugar para ser, buscamos amor, aceitação e uma família. Kitten é, implacavelmente, ela mesma. Ela é uma personagem resiliente que triunfa porque é um triunfo da inocência. Ao contrário de ser uma protagonista que é afetada por outros personagens, é ela quem desencadeia a mudança nas pessoas. Ela mantém sua identidade, sua própria personalidade, e, no fim, as pessoas acolhem isso. O filme nos desafia a entender as histórias ocultas que cada um carrega, lembrando-nos de que, por mais que busquemos pertencer, é nossa essência que realmente define onde está nosso lar.
"Uma outra coisa sobre a Dama Fantasma é que ela percebeu que na cidade que nunca dorme todas as canções que tinha ouvido, todas as canções de amor, bem, eram só canções, mas ela acreditava nelas. Ela acreditava em noites encantadas e que uma pequena nuvem passou sobre sua cabeça e chorou sobre o seu jardim. Ela até mesmo acreditava em cafés da manhã em Plutão. Nos misteriosos desertos gelados de Plutão.”
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