CRÍTICA: CORINGA: DELÍRIO A DOIS: Quando o mundo se mostra real demais, a fantasia morre. Não há mais como sorrir.
- João Paulo
- 3 de out. de 2024
- 5 min de leitura
Assim que saí do cinema, eu pensava comigo mesmo: O que será que as pessoas esperam ou esperavam desse filme? Tenho certeza que receberia inúmeras respostas diferentes. Coringa: Delírio a Dois estreia hoje nos cinemas e já acumula inúmeras críticas negativas. Várias pessoas desapontadas, decepcionadas e irritadas com o resultado final. Críticas que, consequentemente, influenciam direta ou indiretamente as pessoas que ainda irão assistir ao filme. Alguns já dizem nas redes sociais como perderam completamente o interesse em ir ao cinema. Volto para mim novamente e reflito: Acho que Todd Phillips, diretor do filme, conseguiu o que queria. As pessoas estão enraivecidas. A sequência do filme de 2019, que rendeu uma bilheteria bilionária, é um duro soco de realidade no estômago de todos nós. Talvez mais do que possamos aguentar e então seguimos com nossas fantasias.
Conforme a história se desenrola, me questionava qual o sentido desse filme existir. Qual justificativa era boa e necessária o suficiente que validasse mais um capítulo? Coringa: Delírio a Dois é um filme que se opõe ativamente ao seu antecessor. Por si só já carrega um ar de epílogo, mas surpreende quando não só desenvolve mais, mas desafia e desconstrói temáticas que foram construídas, abordadas, no primeiro longa. É um filme que rompe com essa imagem que nós temos do que é o Coringa, o que é ser um Coringa, quem é o Coringa em cada um de nós. Delírio a Dois reflete sobre essa fantasia e as válvulas de escape que criamos, inventamos, para suportar a vida.
Acredito que, apesar do que as pessoas possam pensar, é um filme que conversa muito com seu antecessor. Por lógica, na minha cabeça, se você assistiu o primeiro filme e gostou, você também deveria gostar do segundo. Ambos são filmes realistas e, consequentemente, pessimistas. Pois a realidade é pessimista. Ambos mostram um Coringa que não estamos acostumados. Um personagem machucado, traumatizado e esquecido pelo mundo. Um personagem que era apenas um vilão, mas agora tinha camadas, profundidade e substância que, não justificassem, mas davam sentido ao porquê de agir de maneira violenta. Ambos são filmes que estão constantemente transitando entre a realidade e a fantasia; entre a sombra e o corpo; entre Arthur Fleck e o Coringa.
No final do primeiro filme temos a falsa impressão ou não, já que assistimos sob os olhos do Arthur, que, naquele momento, ele se libertou de si mesmo, que está feliz. É um final caótico, catártico e grandioso que também pode ser interpretado erroneamente como um incentivo à violência. Delírio a Dois olha para esse momento com outro olhar e se pergunta: Era liberdade ou mais uma forma de prisão? O quão verdadeiro é viver numa fantasia? Nos escondermos dentro de nossas cabeças? É um segundo filme que mostra as consequências dos atos cometidos no primeiro capítulo, o preço de viver a vida sob esses termos.
Dessa forma, o filme é coerente e corajoso ao dar um final, uma história, que vai contra todas as nossas expectativas. Certamente incomodará e já está incomodando muitas pessoas. É importante lembrar que o antecessor de Delírio a Dois é um filme bilionário! Eles arriscam tudo com uma sequência ainda mais crua, com menos ação, mais drama e ainda é um musical. Está longe de ser um romance como todos idealizamos. É tudo menos isso. Talvez aí more uma das maiores frustrações das pessoas e algo que faz eu me perguntar se foi proposital. Desde que o filme foi anunciado, há aproximadamente dois anos atrás, o vendem como um filme do Joaquin Phoenix e da Lady Gaga. Um evento único, o romance do ano, frases e mais frases chamando as pessoas para o cinema para testemunhar esse encontro de titãs. Quando, na verdade, o filme é tudo menos fantasia. É desconfortável, triste e chocante. O filme é tudo menos um Delírio a Dois. Continua sendo uma história sobre Arthur Fleck. A Arlequina nada mais é que um elemento, uma peça nesse tabuleiro, para desafiar, materializar, desestabilizar, ser esse contraponto entre as duas identidades do Arthur. O marketing do filme foi um convite à fantasia. O que recebemos foi realidade.
Existem sim alguns problemas que impedem Coringa: Delírio a Dois de alcançar seu maior potencial. A montagem parece perdida em vários momentos. Várias cenas parecem ter sido deixadas de fora, outras incluídas, alguns instantes são mais apressados, outros mais arrastados. Antes de dizer o que eu esperava que o filme fosse, me pergunto como isso influenciaria a visão do diretor. O papel da Lady Gaga por exemplo. Ela foi vendida como protagonista. Quando, na verdade, é uma coadjuvante. É uma personagem superficial que nunca está ali por ela, mas pelo Coringa. É um filme sobre ele, não sobre os dois. Foi um potencial desperdiçado, mas ao mesmo tempo uma decisão difícil. A Arlequina, interpretada por Gaga que é uma artista imensurável, poderia ofuscar Arthur e essa não é a história que eles gostariam de contar. Talvez, nesse processo de tirar coisas dela para não tirar tempo de tela dele, o filme perdeu muito brilho.
Por outro lado, Joaquin Phoenix está espetacular. Brilha nos momentos musicais e em outros que exigem ainda mais dele. Adorei ver ele em tela e, ainda que eu seja fã da Lady Gaga desde 2009, me interessei mais por ele do que por ela. Contudo, ambos estão incríveis nos números musicais. Alguns mais simples, como a realidade, outros grandiosos. Delírio a Dois vive em cima dessa linha tênue entre não saber quando ser mais real ou mais fantasioso. Algumas pessoas dirão que os números musicais são sem inspiração, sem brilho, mas não seria imaginário demais? O oposto do que o filme quer dizer?
Me surpreende a reação das pessoas desse filme ser um musical quando, na verdade, há vários indícios no seu antecessor para isso. No momento que Arthur mata aqueles valentões no metrô, um deles canta para ele. No banheiro público, após matar os três homens, ele dança sozinho. No seu momento de libertação na escadaria, Arthur dança. Antes de entrar no programa de televisão, ele dança até sem música. No filme de 2019 a fantasia segue viva. Agora, em 2024, Todd Phillips mata a fantasia de vez.
Definitivamente é uma experiência que vai incomodar muita gente. As pessoas têm um filme na cabeça antes de assistir. Têm uma imagem, uma expectativa, a ser saciada o que comprova ainda mais o ponto de Delírio a Dois. É um convite, ou melhor, um chute na boca, para colocarmos os pés no chão e aceitarmos as coisas como elas são e não como nós achamos que elas deveriam ser. De fato, esperávamos algo mais. Mas o que seria isso senão um último respiro da fantasia? Queremos mais loucura, mais ação, mais fantasia. Antes, enquanto o mundo desmoronava conosco, nós ríamos. Ríamos para suportar a dor, suportar o fato que existimos, que vivemos e que vamos morrer. Agora tudo é real demais. Não há espaço para a fantasia. Morte à fantasia. Arthur Fleck, Coringa, escreveu seu próprio fim.
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