top of page

CRÍTICA: CORINGA: Enquanto desmoronamos e o mundo conosco, vamos rir!(?)

  • Foto do escritor: João Paulo
    João Paulo
  • 29 de set. de 2024
  • 4 min de leitura

Muitas coisas podem, e já foram, ditas sobre Coringa. Filme de 2019 dirigido por Todd Phillips. A forma inventiva, crua e real de contar uma nova versão da história de um dos vilões mais icônicos dos quadrinhos; A transformação de um personagem clássico, interpretado inúmeras vezes por diversas gerações, em um anti-herói; A maneira como aborda anarquia e a violência deliberada como respostas à opressão; A reação mundial com o filme e as acusações de incitar os jovens a cometerem atos de violência; As comparações com outros filmes como Laranja Mecânica, O Rei da Comédia, Rede de Intrigas e Taxi Driver; A banalização e a marginalização dos transtornos mentais; Um blockbuster bilionário e um fenômeno cultural imenso. Dentre todas essas possibilidades, o que mais brilhou aos meus olhos é a forma como o filme provoca o espectador. Como através da comédia e da tragédia, encontra aquilo que une as duas coisas.


Como alguém como Arthur Fleck suporta a vida? Joaquin Phoenix, na performance que lhe rendeu um Oscar, transmite através do corpo, do olhar e do riso o conflito do personagem. A fuga constante de si, o olhar violento do outro que o vê como uma aberração, um defeito. Sem olhar para a história de maneira demasiadamente racional, como muitos ainda fazem, e sem impor uma régua moral, é possível perceber, na atitude de Arthur de parar de tomar seus medicamentos, uma descida sem paraquedas e avassaladora dentro de si mesmo. Algo que, na história, traz libertação para o personagem. Prisão física, talvez, mas dentro de sua cabeça, liberdade. 


É um filme que desperta esse conflito entre palavras opostas ou com diferentes significados como: liberdade, prisão, remédio, sofrimento, tragédia e comédia. Seus remédios, que antes o impediam de enlouquecer, atenuavam sintomas que gritavam para sair de dentro do seu corpo. Por outro lado, sem eles, Arthur mergulha cada vez mais dentro de sua própria loucura ou de seu próprio despertar. Como você, espectador, decide enxergar. Da Tragédia nasce a Comédia. Do Arthur nasce o Coringa. 


O filme não poupa situações para deixar isso claro. Na verdade, se esforça muito para deixar a mensagem clara o suficiente e, ainda assim, é mal interpretado pelas pessoas. Acompanhamos Arthur sofrendo do começo ao fim. Uma pessoa passiva, constantemente vítima. É quando começa a reagir, agir de forma ativa, é que a mudança se torna inevitável. Algo que pode ser facilmente entendido de maneira equivocada como uma justificativa para a violência. Coringa não é sobre isso. O filme carrega uma tensão que é construída no decorrer da história até uma cena inesquecível, violenta e catártica nos seus minutos finais. Novamente, o conflito dos opostos. Uma cena gráfica, sangrenta, mas, dependendo do seu ponto de vista, irônica, engraçada, libertadora. 


Existe também, além da falta de sutileza, que pode ou não ser um problema, a pressão de ser uma história canônica que pertence a um universo de quadrinhos, tem uma legião de milhões de fãs e grandes estúdios de cinema para satisfazer.O que causa uma interferência perceptível na maneira como a narrativa torna didáticas partes que não precisam de explicação. O filme brinca com o surrealismo, mas só até certo ponto. Algo que agora, na sequência, parece que será ainda mais explorado. Por isso, sinto que Coringa é o resultado de todas essas circunstâncias, referências, bagagens e expectativas batidas em um liquidificador. O que impede o filme de alcançar seu maior potencial, mas, ainda assim, consegue entregar algo potente o suficiente para ficar na cabeça das pessoas. Não é uma história original, não é a nova invenção da roda, mas é algo sólido. É um projeto que se destaca nos filmes inspirados em quadrinhos dos últimos anos.



Além de todas as convenções e características que tornam cada gênero único, também é interessante olhar por uma outra perspectiva. Entender que, por um lado, nada é concreto. O que é comédia para mim, pode não ser para você. O que é assustador para você, pode não ser para mim. Somos nós, através do nosso olhar, das nossas vivências e preconceitos, que julgamos o que é e o que não é. A tragédia e a comédia são duas faces da mesma moeda na representação da vida e da experiência humana.


Por baixo de todas as camadas e expectativas colocadas sobre Coringa, existe um filme sobre um homem que busca liberdade de si mesmo. Não do outro, mas da imagem, da história, que construiu para si para a que ele criou. No começo do filme o vemos em liberdade dentro de um ônibus, mas triste, esquecido e preso. No fim, dentro de uma viatura da polícia, preso, transparece um sorriso maior do que seu rosto pode aguentar. Está em liberdade. 


Diante de todas as adversidades, confrontados constantemente com o pior da humanidade, o pior de nós mesmos, a única forma de sobrevivência aparente, de suportar a vida, é encontrar graça, beleza, nos piores lugares. O quão verdadeiro é isso? Pode ser assustador, pode ser uma mentira, um remédio, uma liberdade ou uma prisão. Inventamos, mantemos, nossas próprias loucuras para perseverar. Loucos ou não, felizes ou não, fugindo de nossas próprias prisões para nos libertarmos ou entrarmos em novas prisões, continuamos aqui. Estamos cientes que o mundo está acabando. Nós estamos acabando. Paralisar, deixar de viver, morrer, não é uma opção. Dancemos então à música dentro de nossas cabeças, coloquemos um sorriso nos nossos rostos cansados e machucados, que ríamos quando tudo estiver desmoronando. Sejamos insanos ou não.


“Smile though your heart is achin'

Smile even though it's breakin' 

When there are clouds in the sky 

You'll get by” 


Smile - Charles Chaplin



Comments


bottom of page