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CRÍTICA: HIT MAN: Quem você gostaria de ser?

  • Foto do escritor: João Paulo
    João Paulo
  • 13 de jun. de 2024
  • 4 min de leitura

"O segredo de colher da existência o mais fecundo e o maior prazer é viver perigosamente. Construam cidades no Vesúvio! Enviem navios a mares inexplorados! Vivam em guerra com seus pares e consigo mesmos!" Nietzsche.


Hit Man começa com o protagonista, Gary Johnson, interpretado por Glen Powell introduzindo para seus alunos conceitos de personalidade, ser e consciência. Despertando neles essa vontade de se apresentar ao mundo, se arriscar e sair da zona de conforto já que a vida é curta e devemos viver intensamente sob os nossos termos. É uma forma eficaz de começar a história e trilhar o caminho que devemos perseguir junto com Gary. É um momento que estabelece o tom do filme. Ele pergunta para seus alunos: “Quem aqui acha que se conhece? Que tem forte noção do próprio ser? Toda nossa existência é investida na noção do ser pela própria sobrevivência. E se o seu ser for uma construção, uma ilusão, um personagem que vocês interpretam todos os dias desde sempre?”


Como você seria se não tivesse aprendido o jeito que você tinha que ser? Essa é uma pergunta que eu me faço constantemente: quem eu gostaria de ser? Todos os dias eu penso em quem eu quero ser, de que forma eu me vejo, de que forma eu quero me apresentar pro mundo e como eu quero que esse mundo me perceba, me enxergue. 


Me pergunto se sou realmente uma pessoa introvertida ou se as circunstâncias me formaram assim. Pode ser apenas a forma que encontrei de lidar com o mundo, as pessoas e com meus problemas. Um jeito de sobreviver dentro do círculo familiar e com os amigos. Se eu morasse em outra casa, vivesse em outra família, estivesse em outro contexto, eu seria uma pessoa extrovertida? Eu gostaria de ser. 


Sempre pensei nisso e já quis em vários momentos incorporar isso na minha vida. Eu já pensei em trabalhar com teatro, dança, cinema, ser um verdadeiro artista. Ainda é um sonho meu e penso frequentemente em me explorar mais. Queria não sentir a obrigação de controlar cada centímetro do meu corpo, cada pequeno movimento e o jeito de falar. Como se se eu deixasse escapar qualquer insegurança, vulnerabilidade ou defeito, eu seria descoberto. Desmarcado como a farsa que penso ser. 


Não queria ter tanto controle sobre minhas ações. Faz anos que eu olho para o espelho e não me reconheço. Só vejo uma carcaça, um “João” que não existe mais. Não me vejo ali. Não vejo o “João” de hoje, vejo o do passado, e gostaria muito de encarnar uma identidade que seja reconhecível. Gostaria de deitar a cabeça no travesseiro à noite e estar em paz com a pessoa que sou, de transmitir isso para as pessoas e pra mim também. 


É uma coisa que o protagonista do filme faz muito bem. Conforme vai se descobrindo e testando personalidades, reconhece características em si que ele gosta e jamais havia dado espaço para que elas aparecessem. Características essas que são percebidas pelas pessoas ao seu redor. Ele segue o conselho da sua ex-namorada e começa a acreditar que realmente pode mudar. Fingindo até conseguir. 



Junto com essa vontade de mudar e ser alguém novo, vem o medo de perder quem já fomos. Em diversos momentos da minha vida, me vi voltando para lugares ruins, pessoas ruins e tendo comportamentos irresponsáveis porque era o que eu conhecia e estava habituado. Por mais sofrido que seja, que fosse, ainda é uma zona de conforto. 


Hit Man explora bastante essa luta, essa complexidade, da busca pelo prazer e a menor perda possível. Se dependesse de todos nós, sempre buscaríamos o prazer, nossos desejos, mas tudo isso vem com riscos e consequências. Todos os dias tomamos essas decisões continuamente. Quem queremos ser, quem estamos dispostos a ser e quem aguentamos ser. Ser, por si só, já é uma escolha, uma construção. Algo que constantemente se prova que pode ser transformado. 


Tudo isso rende horas de conversa e acredito que o filme explora isso de uma forma muito descontraída, leve e inteligente. Fui assistir Hit Man esperando algo medíocre, mas o cuidado com esse lado mais profundo da questão me tocou. Richard Linklater sabe escrever e dirigir histórias com humanidade e maturidade. Sua trilogia do Antes e Boyhood são exemplos claros disso. 



Algumas coincidências boas demais para serem verdade surgem para movimentar a narrativa, o que pode parecer um artifício preguiçoso, mas o próprio filme brinca com isso e assume suas possíveis incoerências. Ele abraça essa imprevisibilidade caótica de sua história que por si só já é muito irônica. Hit Man não busca por validação ou impor uma moral. É uma exploração sobre nossas identidades, sobre paixão, desejos profundos e como os buscamos. 


Considerando tudo, acredito que a melhor cena de Hit Man, que expõe sua intenção, seja a conversa que Gary tem com sua ex-namorada. É um momento precioso e riquíssimo no filme que serve de motivação para a mudança e é feito de uma forma muito natural. Como pode um filme que aparenta ser tão bobo e ordinário trazer reflexões tão profundas? Espero que todos nós tenhamos a coragem de sempre buscarmos ser quem realmente queremos ser. Como diz a personagem Alicia: “É o princípio do "como se": Você se comporta como se fosse a pessoa que quer ser e em pouco tempo você percebe que é você.”


“Eu acreditava que a realidade era objetiva, imutável. Mas com o tempo compreendi que a verdade é criada através da integração de pontos de vista diferentes, e que não há verdades absolutas, sejam morais ou epistemológicas. Uma forma muito mais empoderada de viver a vida é ter noção de que o universo não é fixo, portanto você também não, então podemos mudar e nos tornarmos pessoas melhores. Uma coisa é certa: A nossa realidade muda com o tempo, de maneiras que nem podemos imaginar, então peço que vocês estejam abertos a essa transformação. Assumam a identidade que querem para si. Sejam essa pessoa com paixão e abandono.”



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