CRÍTICA: INTERESTELAR: Aprendemos algo após dez anos?
- João Paulo
- 14 de jan.
- 4 min de leitura

O que aprendemos com Interestelar nos últimos dez anos? Como essa história nos impactou, como ela foi impactada por nós e pelo tempo? Ainda enxergamos ela da maneira como enxergávamos em 2015? Alguma coisa mudou? O mundo mudou? Nós mudamos? Relançado recentemente nos cinemas, o filme ainda lota sessões mundo afora. Um filme com uma mensagem muito clara. Talvez daí venha seu apelo popular. Para alguns, clara demais. Ainda assim, com toda sua recepção positiva e longevidade, continuamos olhando para as direções erradas. Para cima, para baixo, menos para dentro. Menos além do horizonte.
Nolan é conhecido por seus filmes grandiosos e ambiciosos que, através da tecnologia, procuram imergir o espectador ainda mais para dentro da história. Através da imagem e som, somos levados para universos deslumbrantes tanto para os olhos, como para os ouvidos e para a pele. Embora impressionantes e de tirar o fôlego, hoje acredito que é possível irmos ainda mais fundo. Em Interestelar, vejo uma direção, uma intenção e um final que costura tudo isso, mas ainda me pergunto o que Nolan valoriza mais. A experiência? A mensagem? É possível separar ambas? Como ele enxerga esse “olhar além do horizonte”? É, literalmente, sair do planeta Terra? Entrar em um buraco negro? É olhar para nós, para dentro, e entender que o amor é o fio que pode conectar tudo?
No começo do filme, Cooper enfrenta o grande dilema que é ir, abraçar seu sonho, mas também o sacrifício de perder o crescimento de sua filha, a vida de sua família, ou ficar, presenciar tudo isso, mas aceitar o fim da humanidade. Ele defende a ideia que a humanidade nasceu na Terra, mas não está destinada a morrer aqui. Ele é um explorador. Cooper reflete sobre um tempo que olhávamos para o céu e imaginávamos nosso lugar nas estrelas. Com desânimo, diz que agora só olhamos para baixo. Para a terra. Na escola de sua filha se revolta com a fala de uma professora de que nunca fomos até a lua. Todos os olhos estão voltados para as fazendas, plantações, e como perseverarmos diante o fim iminente.

Ao longo do filme, principalmente no começo, várias pistas são dadas sobre o que Interestelar se trata. Murphy, filha de Cooper, com um nome inspirado na lei de Murphy, por exemplo. Se algo pode dar errado, dará. O que quer que possa acontecer, acontecerá. À princípio é difícil compreender essa frase. É difícil aceitá-la. É fácil interpretá-la erroneamente. Em outras palavras, ela significa abraçar o pandemônio, o caos. No outro, no cosmos, em nós. Cooper tem dificuldade de entender o significado disso tanto quanto Murphy. Dessa forma, embarca nessa jornada para encontrar um novo lar, para salvar a humanidade, mas principalmente para se encontrar.
Com dezessete anos, fiquei impressionado com todos os aspectos de Interestelar. O filme me fez pensar na dimensão do espaço, em como somos insignificantes perto disso tudo, em como isso é misterioso, assustador e maravilhoso. Hoje eu vejo a história de um homem que precisou ir até outra galáxia para, verdadeiramente, mergulhar dentro de si. Ainda que fisicamente há milhares, milhares e milhares de quilômetros de casa, Cooper fez uma viagem inversa. Para cada vez mais próximo de si. Encontrar no amor a resposta. Não a resposta definitiva, não a solução de todos os nossos problemas, mas significado, sentido, propósito, lar.
A cena que Cooper mergulha no buraco negro é uma das melhores sequências da filmografia do Christopher Nolan. Uma representação abstrata, mas palpável do que seria atravessar o horizonte, as dimensões, mergulhar no âmago, no cerne, na parte mais profunda e essencial de nós. De todos os lugares do universo, de todas as pessoas, Cooper encontra o quarto de sua filha. Encontra sua filha. É um momento mágico, doloroso e inesquecível. Ali ele encontra a resposta que tanto procurava. Não que ele deveria ter ido ou ficado, mas que a verdadeira resposta mora nas conexões que fazemos.

Por mais frios que os filmes do Nolan possam ser, acredito que Interestelar é o mais caloroso e otimista. Uma verdadeira carta de amor. Para mim, uma metáfora sobre autodescobrimento. Maior do que qualquer aventura, mais distante do que qualquer horizonte, é tentarmos acessar quem realmente somos, quem amamos, e encontrarmos nisso as respostas para nossas perguntas. O universo é vasto e imensurável. Podemos e devemos continuar espertos, exploradores, curiosos, mas não podemos nos deixar consumir pelas perguntas. Reconheçamos a nossa pequenez, sem esquecer a nossa grandiosidade. Sem abdicarmos daquilo que realmente nos faz humanos.
Diante disso tudo, acredito que não aprendemos o suficiente com Interestelar. Ainda que tenhamos aprendido, o filme, apesar de uma experiência incrível, é apenas a ponta do iceberg. Ainda temos muito para mergulhar, para reconhecer, para deixar para trás, para ir. Para muitos da cinefilia, o filme é visto com desprezo. É considerado óbvio, didático e superficial. Entendo de onde vêm essas críticas, mas encaro o filme como uma porta de entrada, não o fim. Agradeço por ter visto ele na minha adolescência e hoje agradeço a mim por não ter me satisfeito com a superfície.
Em um diálogo do filme, a cientista Brand fala com Cooper: No espaço, nós nos deparamos com dificuldades. Com a morte, mas não o mal. Cooper questiona: Não acha que a natureza pode ser má? E ela responde: Não. Formidável, assustadora, mas não, não má. Um leão é mau porque destroça uma gazela? Cooper conclui: Então, é só o que levamos conosco.
