CRÍTICA: LONGLEGS: Um mal que sempre estará à espreita.
- João Paulo
- 25 de ago. de 2024
- 3 min de leitura
O mal está sempre à espreita. Te observando de longe, se fazendo presente com sons, imagens e o pressentimento de algo ruim se aproximando. Nas sombras ele chega mais perto. Agora pode estar na sua casa, no mesmo cômodo que o seu, atrás de você ou até mesmo dentro de você. Não uma “força sobrenatural”, de cima ou de baixo, mas algo ainda pouco compreendido por nós. Além da perspectiva religiosa. Analisado de maneira filosófica, psicológica, existencialista e cultural. Algo que sempre existiu desde os primórdios da humanidade, existe e sempre existirá até o fim dos nossos dias. Longlegs consegue, com excelência, materializar esse medo e nos deixar alertas e apavorados por quase duas horas. É o reflexo de um momento perigoso que vivemos. A ascensão do fundamentalismo religioso e o retorno do pânico moral.
Durante os anos 80 e início dos anos 90, houve um fenômeno moral, principalmente nos Estados Unidos, mas também ao redor do mundo, caracterizado por uma histeria coletiva em torno da crença de que cultos satânicos estavam abusando de crianças, realizando rituais satânicos e influenciando a cultura popular. Tudo aquilo que não condizia com os valores cristãos, por qualquer coisa que fosse, poderia ser acusado e perseguido. Gêneros musicais como o Rock and roll, filmes e até jogos de tabuleiro eram vistos com esses olhos. Os meios de comunicação da época contribuíram para a difusão desse medo.
Durante esse período, várias pessoas foram acusadas e algumas até condenadas com base em testemunhos questionáveis. No fim, a maioria dessas alegações foi desacreditada e muitos dos casos foram revertidos ou descartados. Hoje o Pânico Satânico é visto como um exemplo de histeria coletiva e demonstra como o medo irracional pode levar a acusações infundadas e consequências devastadoras para os envolvidos.
Ambientado durante o mandato do presidente Bill Clinton, sabemos que o filme se passa no começo da década de 90. De certa forma, isso nos coloca na mesma posição da protagonista. A lembrança de um passado, não muito distante, mas não muito próximo. Um esquecimento generalizado, uma sensação de normalidade, mas a presunção de que o mundo havia mudado. Silenciosamente e devagar, esse mal foi retomando a forma e a força. Algo cíclico e quase geracional. Estamos em 2024. Dependendo do ponto de vista, muito tempo depois dessa época e, de certa forma, nunca estivemos tão próximos dela novamente.
De maneira criativa e aterrorizante, Longlegs, a partir de uma visão deturpada e fundamentalista, reproduz o lado cômico, sátiro e horripilante do mal inerente no ser humano disfarçado de religião. Em outras palavras, é como se eles tivessem pensado: e se pegássemos a imagem que os fundamentalistas têm de tudo aquilo que não condiz com suas crenças e, realmente, transformarmos isso em algo diabólico? Demoníaco?
Tal como a “ameaça comunista”, o Pânico Satânico é um inimigo invisível. Com o aumento do conservadorismo e do fanatismo religioso, esse fantasma tem tomado cada vez mais forma. Está sempre à espreita. Longlegs faz um trabalho de fotografia maravilhoso ao filmar constantemente com planos abertos. Isso emerge o espectador de tal forma que o coloca numa posição muito desconfortável e isso é admirável. Estamos sempre olhando os cantos, as beiradas, portas, janelas e árvores procurando por algo que pode estar lá. Às vezes não está, mas às vezes sim. E como esses momentos são medonhos! Assistindo, eu me via olhando para o escuro da sala onde estava procurando por esse mal. É amedrontador.
Nicolas Cage, no papel de Longlegs, interpreta o personagem mais horrendo de sua carreira no melhor sentido possível. Da mesma forma que é cômica, é uma performance impressionantemente apavorante. Sigo incrédulo e é algo que não sairá da minha cabeça por muito tempo. Maika Monroe, mais conhecida por It Follows, também está incrível. Demonstra medo, trauma, coragem e desespero no seu olhar. Kiernan Shipka foi uma ótima surpresa.
Um filme que me faz temer até aquilo que não acredito, temer a materialização, a performance, de uma ideia, merece ser lembrado. Ainda que tenha um caráter explicativo, dissecando a narrativa para que tudo fique claro para o espectador, isso não me incomoda e seu potencial além do texto e das imagens é o que brilha para mim.
Longlegs explora o mal que vem de dentro. O mal disfarçado de freira, de fé, de valores, de ideias, de religião. O mal que acumula, se agarra ao passado e não permite crescer. O mal que entra em nossas casas e corrompe até a última família. Não é apenas um reflexo do medo do passado, mas um aviso sombrio sobre os perigos que ainda espreitam em nossa sociedade. É um lembrete de que o mal não desaparece – ele se transforma, esperando o momento certo para ressurgir.
“Deixe-me entrar agora e pode ser legal! Faça-me ir agora e terei que voltar! Nem uma vez, nem duas, mas quantas vezes eu quiser!”
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