CRÍTICA: MAXXXINE: A morte da subjetividade.
- João Paulo
- 15 de jul. de 2024
- 4 min de leitura

Conforme os créditos de MaXXXine rolavam, eu me recusava a acreditar no que havia acabado de assistir. Com a mão na minha cabeça por vários minutos, balançando a cabeça em negação, me perguntava e ainda me pergunto: o que aconteceu? A última vez que lembro de ter me decepcionado tanto com o fim de uma trilogia foi em 2019 com Star Wars: A Ascensão Skywalker. Um filme que, ativamente, se opõe ao seu anterior, que é um dos mais desafiadores da saga. MaXXXine deixa o mesmo sabor amargo na boca e um apetite embrulhado. O terceiro e último filme da trilogia X, dirigido por Ti West, é um retrocesso e a prova definitiva de que algumas ideias são melhores apenas no imaginário. Não precisamos, realmente, de uma trilogia para satisfazer nossas necessidades e expectativas.
Às vezes é melhor quando algumas perguntas permanecem sem respostas. Quando há espaço para a mente do público ir longe e imaginar, se perguntar, onde aquela história vai parar. David Lynch acredita fielmente nisso. Se dependesse dele, jamais saberíamos quem matou Laura Palmer em Twin Peaks. Algumas ideias ficam melhores apenas no campo do imaginário. O futuro de Maxine era promissor quando existia apenas uma página em branco onde tudo era possível. Quando tentamos colocar em prática tudo o que idealizamos, nem sempre as coisas saem como esperado. Não há mais espaço para nuances e camadas. Não há mais como desafiar o espectador de qualquer forma quando tudo é jogado nas nossas caras. Às vezes, realmente, essa trilogia funcionava mais na cabeça do Ti West. Todos os ingredientes certos estão ali. Existe repertório, existe cuidado com a forma, mas ainda assim, diante de tudo que a trilogia X representa, MaXXXine é o oposto disso.
O filme teve uma recepção bem mista aqui no Brasil e ao redor do mundo, então fui assistir com as expectativas já um pouco baixas. Por isso, conforme a história se passava, pensei que talvez pudesse gostar ainda mais. O filme replica muito bem a estética oitentista. Sua forma é única, assim como X e Pearl brilham cada um da sua maneira. Achei a primeira cena espetacular. É um monólogo onde Maxine faz um teste para um papel em um filme de horror. Não é apenas um texto para conseguir um papel. Existe brilho nos olhos de Mia Goth. Ela, interpretando uma atriz interpretando outra, me convence. Não são apenas linhas em um roteiro, é um texto que conversa diretamente com a trajetória da Maxine e inicia o filme de maneira excelente. É o seu passado ainda assombrando sua perspectiva de futuro. É uma pena que este seja um dos poucos momentos que temos esse vislumbre da atriz em MaXXXine.

Enquanto tudo ainda parecia funcionar, houve algumas cenas que se destacaram: Quando o amigo próximo de Maxine é assassinado, o que rende uma verdadeira e belíssima cena que não apenas homenageia slashers do passado como brilha de maneira única; A conversa entre a diretora e Maxine na frente do Bates Motel é outro exemplo onde a mensagem está ali pavimentando um possível caminho ao mesmo tempo que traz de volta um marco cultural enorme; Há também um outro momento, uma cena de sufocamento, que explora de forma gráfica a relação conturbada de Maxine com Pearl e como elas ainda fazem parte uma da outra. Esses são alguns exemplos de momentos que fazem a narrativa girar e trabalham com o que tem sem entregar tudo de forma tão mastigada e explícita para o espectador. Infelizmente o mesmo não acontece até o fim com investigações policiais que não vão a lugar algum e personagens sem propósito.
Já faz quase uma semana que eu assisti o filme e ainda não consigo compreender como Ti West pensou que esse era o final que Maxine merecia. Como pode construir algo durante dois filmes e deixar isso escorrer pelos seus dedos dessa maneira? O sutil deu lugar para o óbvio. A seriedade, ainda que com tons de humor, deu espaço para a mais gratuita, preguiçosa e absurda caricatura. O que era uma oportunidade única para consumar, finalmente, tudo o que a trilogia representa, vira um show de horrores. Uma sucessão de cenas que causam um verdadeiro constrangimento. Ti West, como poucas vezes eu vi, conseguiu saturar seu próprio universo e subestimar sua própria audiência. Tudo precisa ser desenhado dessa forma? Vocês acham que somos tão burros assim? A solução que vocês encontram são atalhos fáceis, preguiçosos e um excesso de referências? A última cena seria linda se não fosse tudo que acontece antes dela. Começar o filme com uma citação da Bette Davis e terminar com a música Bette Davis Eyes, o que em outras circunstâncias seria incrível, aqui faz tudo parecer ainda mais deslocado.

É uma pena que de tantas possibilidades para falar sobre estes que são temas tão importantes e inesgotáveis, essa foi a abordagem que escolheram para lapidar o legado de X. Mesmo com três filmes, parece nunca haver tempo suficiente para desenvolver o que realmente merece desenvolvimento. Resta continuar enxergando o mundo de maneira simplória onde existem apenas os heróis e os vilões. O que parece uma jornada de volta ao começo de tudo, é uma saída desesperada para contar uma história já contada milhares de vezes. Não há mais autenticidade. É a verdadeira morte da subjetividade.
Espero que outras pessoas encontrem algo em MaXXXine que não encontrei. Espero que se divirtam, vejam sua beleza e como ela conversa com cada um de vocês. Dessa vez não foi comigo. X e Pearl funcionam muito bem como um double-feature quase perfeito onde um filme complementa o outro. MaXXXine é o lembrete do que não deve ser feito. É frustrante, decepcionante e um fracasso colossal. É por amar tanto o que foi feito nos dois últimos filmes que eu me recuso a ser condescendente. Esse é um final que eterniza a trilogia X com o que ela acabou se tornando ou com aquilo que, talvez e para a minha decepção, sempre foi: superficial.
“Now We’ve All Got Blood On Our Hands.”

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