CRÍTICA: MEGALOPOLIS: O tempo, nosso maior inimigo, não para pra ninguém.
- João Paulo
- 6 de nov. de 2024
- 4 min de leitura

O tempo não para pra ninguém. Ele é cruel, indiferente e inconsequente. Pro bem ou pro mal, o tempo passa para todos nós. Não importa quem somos, quanto poder temos, ou julgamos ter, ele sempre passará. Talvez, por trás dessa ideia, mora o verdadeiro conflito de Megalopolis: essa batalha constante de ideias, passado, presente, futuro, utopia, distopia, criação, destruição, estabilidade, instabilidade, controle, descontrole, constância e inconstância. Dessa mesma maneira, Megalopolis, dirigido por Francis Ford Coppola, incorpora todas essas características, toda essa megalomania, tanto na forma, como no conteúdo, para construir, transmitir, uma história diferente de tudo, mas ainda familiar. Uma fábula, uma sátira, idealizada por décadas, o trabalho de uma vida inteira, reflexo de uma vida de cinema e referências, colocado na tela.
O tempo não para pra ninguém. O tempo destrói tudo. Até as maiores civilizações. Megalopolis conta a história de um império à beira do colapso. Uma Nova York, tal como Roma, que vive, faz moradia, num sistema fadado ao fracasso. Coppola incorpora Roma na cidade, a Nova Roma. Nesse cenário, Cesar Catilina propõe a construção de um novo modelo de cidade. Uma que cresça junto com as pessoas. Uma discussão verdadeira sobre o futuro, sobre a importância de ter um norte, uma direção, para seguir. Ele acredita e promove a ideia de uma cidade ideal que vai além da nossa imaginação onde tecnologia e a natureza humana podem coexistir.
O tempo não para pra ninguém. Sistemas não acabam, não se desfazem, do nada. Existe resistência. O novo, o desconhecido, ainda é aterrorizante. Megalopolis apresenta de maneira original e caótica o atrito entre utopia e distopia. Entre conversas, embates, citações de Marco Aurélio, ex-imperador romano, o filme incorpora essa ideia de: Se você não consegue enxergar um futuro, construa um; Se você não pode curar o mundo, se cure; Se você não pode se curar, cure o mundo. O pé que está no passado, o que está no presente e o que está, ou deseja estar, no futuro. Cicero, o prefeito de Nova Roma, é a representação do passado. Cesar, ainda que atormentado pelo passado, é a cabeça do futuro.
O tempo não para pra ninguém. O que nos assombra e nos faz questionar até a ideia de um futuro perfeito para todos. Perfeito? Duradouro? Até quando? Tudo que é amplo, um dia se torna estreito demais. Até um novo sistema, uma nova forma de viver, sobreviver, surgir. Dela, a seguinte. Existe, de fato, um lugar ideal para irmos? Um tempo ideal? Um dia chegaremos nele? Nesse conflito entre utopia e distopia que é Megalopolis, Cicero traz reflexões árduas, mas verdadeiras sobre a importância de ter os pés no agora. Se desprender de sonhos, se desprender do futuro e pensar no agora. Cesar rebate: Não deixe o agora destruir o para sempre.

O tempo não para pra ninguém. Até para aqueles que são tão poderosos que julgam conseguir pará-lo. Quando pensamos que ele pode ter parado, ainda podemos ouvir o tic-tac dos relógios. Igual Geppetto, pai de Pinóquio, no seu quarto repleto de relógios do chão até o teto. Dormimos e acordamos todos os dias com esse som dentro de nossas cabeças ecoando até o fim das nossas vidas, até o fim dos tempos. Como a presença da maldade sempre à espreita. Seja representada na figura de uma vilã, como a Rainha Má de Branca de Neve, e todos que trabalham incansavelmente para sobressair e oprimir o outro.
O tempo não para pra ninguém, logo, existem mesmo finais felizes para sempre? As fábulas são conhecidas por serem narrativas diretas, que ilustram uma lição de vida ou uma moral ao final da história. Daí surge meu maior conflito com o filme, o final. Seria algo que não se alinha com a expectativa criada pelo próprio filme? É simplista? Há algo por trás desse fim ou começo? Que felizes para sempre são esses que a solução vem de quem está em cima e não de quem está em baixo? Que ela vem de uma instituição, de um banco e não do povo? Que felizes para sempre é esse que não vem de um ato altruísta, mas de um ato egoísta, interesseiro? De todas as palavras que Cicero poderia ter usado para desejar sucesso para o filho de Cesar, ele disse: “Crie seu filho com nobreza.” Escolha curiosa de palavras.

O tempo não para pra ninguém. Dessa maneira, é impossível saber, com certeza, que fim levará a civilização. Dependendo da sua perspectiva, o final de Megalopolis pode ser otimista, mas também pode ser pessimista. O sonho de um futuro melhor ou o presságio de uma história que irá se repetir. De uma forma ou de outra, só descobriremos vivendo. Como disse o autor Emerson Sena: ““Abre-se o horizonte da utopia. Esta não se presta à realização concreta-real, pois é apenas uma sinalização para seguir adiante. Ela põe à disposição [...] sonhos universais de amor, liberdade, justiça, igualdade, equanimidade e fraternidade.”
Megalopolis é um estrondo. É o lembrete do que o cinema é capaz de fazer quando se acredita nele, quando se vive ele, quando o artista se entrega de corpo e alma por ele. Pouco importam as críticas, o que os outros pensam, se existe certo ou errado, bom ou ruim. Somente o fato desse filme existir em 2024, é uma vitória para o cinema. Escolhi uma abordagem diferente para falar sobre essa experiência já que ela me tocou e me incomodou de uma forma que se eu focasse em falar sobre o que funcionou, o que não funcionou, falar sobre a técnica, não sinto que conseguiria transmitir o sentimento que eu tinha a intenção de passar e espero ter conseguido. Finalizo com uma citação do filósofo italiano Giorgio Agamben. Algo que eu acredito que conversa com o filme em inúmeros aspectos.
“Deus não morreu. Ele tornou-se dinheiro. O capitalismo é uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. [...] celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro.”
Giorgio Agamben

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