CRÍTICA: O APRENDIZ: "Você cria sua própria realidade. A verdade é uma coisa maleável."
- João Paulo
- 30 de out. de 2024
- 4 min de leitura

Repulsivo, patético e desprezível são alguns dos vários adjetivos que podemos usar para nos referir a Donald Trump. Podemos continuar com egoísta, mesquinho, uma pessoa verdadeiramente ruim, mas, além disso tudo, um ser humano como cada um de nós. Quando algumas pessoas ganham visibilidade e fama, tendemos a enxergá-las de maneira diferente, tanto para o bem quanto para o mal. Não enxergamos pessoas, enxergamos ícones, personagens, heróis, vilões, demônios e salvadores. Colocamos nelas uma profundidade, um peso, uma expectativa muito maior do que elas — ou qualquer ser humano — merecem ou suportam. Da mesma forma, O Aprendiz conta sua história. Na superfície, parece faltar drama, conflito e camadas. Talvez falte, mas, por outro lado, de forma até metalinguística, nos desaponta se buscamos uma história que seja algo maior do que simplesmente real.
Às vésperas das eleições americanas, O Aprendiz, dirigido por Ali Abbasi, mesmo diretor de Holy Spider, está em cartaz. O filme se passa nos anos 70, quando Trump ainda era jovem, sedento por poder e disposto a aprender como jogar o jogo. Interpretado por Sebastian Stan, Donald Trump é representado de maneira ingênua e inocente e, conforme se deixa absorver e mergulha nesse mundo, se transforma — ou melhor, se revela quem realmente é. Trump é o resultado do que construíram em cima dele, do que ele permitiu ser construído e construir. É um monstro criado por nós; só existe porque nós permitimos, porque ele permitiu. Acompanhado dele, está seu mentor, Roy Cohn, interpretado intensamente por Jeremy Strong. Um homem como ele provavelmente também aprendeu de alguém, de algum lugar, e ambos mantêm a roda girando: o ciclo inconsequente da busca pelo poder.
No fim das contas, se procurarmos em O Aprendiz mais contexto, justificativas, um panorama, qualquer coisa que explique o motivo de Trump ser a pessoa que ele é, talvez nos decepcionemos. Não que essas justificativas não existam ou que o filme não as mostre, mas são suficientes? Para nós? Eu precisava ser pessoalmente satisfeito. Talvez mais clareza, mais “dedo na ferida”. Idealizamos uma história nas nossas cabeças. Podemos nos perguntar: "É sério que é só isso?" Sim. Donald é uma pessoa patética, e isso resume quase tudo. Tal como sua própria história, sua própria pessoa é extremamente patética, vazia e sem humanidade — ou talvez com muita humanidade. O pior tipo. Aquela pessoa inteligente, implacável, imoral, matadora o suficiente para perceber que, quando você quebra as regras, consegue o que quer. A lei do mais forte. É entender que você não chega lá em cima sem passar por cima de alguém, não chega ao topo sem pisar em quem está por baixo.

O filme pode ser classificado como uma sátira, mas, no geral, é uma representação muito verossímil. Não se preocupa em falar sobre o passado ou o futuro, apesar de fazer algumas brincadeiras a respeito, mas é um recorte desse momento de construção e criação. Um período de aprendizado, desenvolvimento, aceitação e negação. Como um filho que aprende com seu pai a viver no mundo, a se inserir no mundo e, depois, renega, trai e abandona aquele que o criou.
Acredito que o ponto alto do filme seja a interpretação de Jeremy Strong e a exploração da figura polêmica e controversa que foi Roy Cohn. Impossível não lembrar da representação de Cohn na produção da HBO Angels In America. Interpretado por Al Pacino, a história explora ainda mais essa dualidade do ser humano por trás do monstro. Jeremy Strong, em O Aprendiz, através do vazio no olhar, é excepcional em demonstrar esse vácuo: o peso de uma vida ignorante, inconsequente e imoral.

É um filme com muitas idas e vindas. Sinto que ele não atinge o potencial que gostaria de atingir, mas consegue misturar o drama e a tragicomédia bem. O Aprendiz é um retrato, um círculo completo do aprendiz se tornando o mentor. Essa roda que continua, perpetua essa lenda de que não é qualquer um que consegue ser um vencedor, um matador. Dizem que você nasce ou não assim. Por outro lado, o filme mostra como isso é algo transmitido. Não pelo sangue, não de pai para filho, mas de alguém que está em cima para outro que ainda está embaixo. Ninguém inventou a roda. Qualquer um de nós pode ser essa pessoa.
Como o próprio filme faz questão de nos lembrar, para quem está disposto a ganhar, vencer acima de qualquer coisa, não existe verdade, não existe moralidade. É vencer por vencer. Infelizmente, algumas falas ditas por Roy Cohn e Trump têm um fundo de verdade. Como dizer que a verdade absoluta não existe, nem a moralidade. Nós fazemos nossa verdade e nossa moralidade. Algumas pessoas não têm escrúpulos. Estão dispostas a fazer o que for necessário para conseguir o que querem. É como acordar, mas um despertar egoísta, completamente individualista. Uma lógica dos matadores e dos fracassados. Às vezes, acho que todos nós nos perguntamos — ou ainda vamos nos perguntar — o que vale mais a pena ser: um fracassado ou um matador? Realmente, O Aprendiz é uma história de horror americana.

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