CRÍTICA: O BRUTALISTA: “Há descrição melhor para um cubo do que sua própria estrutura?”
- João Paulo
- 25 de fev.
- 4 min de leitura

Libertados e guiados por Moisés, confrontados por uma realidade impossível de ignorar, de viver, os hebreus desafiaram o faraó Ramsés e deixaram o Egito. No livro A alma imoral, Nilton Bonder menciona como é fundamental lembrar que o Egito é, acima de tudo, um símbolo, por representar um lugar que “já foi bom” e deixou de ser. Ainda vai além quando reconhece a etimologia hebraica da palavra Egito - mitsraim - que quer dizer “lugar estreito”. Dessa maneira, em O Brutalista, filme dirigido por Brady Corbet, encontramos László Toth. Um arquiteto judeu escapando da Europa após o fim da Segunda Guerra Mundial rumo aos Estados Unidos. Procurando na América, a terra da liberdade, uma nova casa, um recomeço. Mas que liberdade é essa? Que casa? Que vida?
De maneira sutil, mas direta, o filme expõe imediatamente sua intenção contraditória, paradoxal e conflituosa. Uma contradição para muitos difícil de suportar. Vemos uma garota ser intimidada por um soldado que está fora do plano. Ao fim da cena esse mesmo soldado diz para ela: “Queremos te ajudar a voltar para casa. Sua verdadeira casa.” Onde é “casa”? É um lugar físico? Palpável? Tangível? László, sua esposa e sua sobrinha enfrentam esse dilema e procuram encontrar e entender seu lugar no mundo. Ainda mais depois que tudo foi tirado deles. Tudo foi arrancado. O que sobra de nós depois que tudo foi tirado de nós? Quem somos nós?
Assim que chega à América, László, eufórico, admira a Estátua da Liberdade. Já nós, espectadores, a vemos de cabeça para baixo, torta, de lado, menos de pé. Talvez o prenúncio de um esquecimento, uma hipocrisia, uma ingenuidade, uma ignorância ou uma mera inocência desesperada. É cruel perceber que, mesmo depois de ter enfrentado o fim do mundo, o fim do homem, László é a única pessoa em seu caminho capaz de tirá-lo desse sofrimento. László também é responsável pela vida que tem, pelas coisas que permite que aconteçam com ele, pela forma como se enxerga, como sente, como lida com esses sentimentos e a falta deles.

Logo, não demora até a América se revelar uma terra podre. Israel então surge como mais uma possibilidade, mais uma “terra prometida”, a definitiva, o outro lado do Mar Vermelho, casa. Quando saímos de um lugar estreito rumo ao próximo lugar amplo, esquecemos que este próximo lugar não poderá ser amplo para sempre. Como diz Nilton Bonder, jamais devemos esquecer que o lugar estreito um dia não o foi. “Como bons descendentes de Adão e Abraão, como não provar da árvore e como não sair de casa?” diz ele. Casa, ou melhor, lar não é um lugar físico. Para primeiro entender isso, é necessário reconhecer as coisas como elas são. Não como deveriam ser.
Nesse contexto entra a arquitetura brutalista. Como diz a sobrinha de László sobre suas obras: “Não indicam nada, não contam nada, simplesmente são.” Afinal, como o próprio disse: “Há descrição melhor para um cubo do que sua própria estrutura?” O que é melhor para descrever uma montanha do que a própria montanha? O que é melhor para descrever um oceano do que o próprio oceano? A partir da década de 1950 que os primeiros exemplos de arquitetura brutalista evidenciam uma característica em comum: todos aparentam ser do que realmente são feitos. A partir do uso de materiais em seu estado bruto – em especial o concreto.
Lady Gaga na sua turnê The Chromatica Ball que teve início em Düsseldorf, Alemanha, trouxe um palco inspirado na arquitetura brutalista onde se destacam os materiais, as texturas, a crueza e a transparência. Um verdadeiro convite ao olhar selvagem e duro para si mesmo. Da mesma maneira que reflete no seu novo álbum Mayhem como é prosperar e não apenas sobreviver o tempo todo. Explorar a metáfora da perseverança, acolher e sorrir através do caos.

A direção de Brady Corbet e a fotografia de Lol Crawley conseguem transmitir através da imagem essa ideia megalomaníaca em contraste com uma figura tão miserável, simples, controlada e reclusa. É difícil não se sentir sufocado, deslocado e oprimido durante as quase quatro horas de duração de O Brutalista. Por mais gritante que fosse sua realidade, por mais dolorosa, László não encontra força dentro de si para sair desse ciclo. Ao invés disso, encontra na arte e apenas nela, uma forma de elaborar e transformar aquilo que é intangível em tangível.
Adrien Brody, Felicity Jones, Guy Pearce, Joe Alwyn e Raffey Cassidy através de suas interpretações navegam entre essas diferentes posições. Entre o que está na superfície, o que está imerso e aquilo que realmente é. Como o filme deixa claro e Nilton Bonder também fala em seu livro, aquele que engana a si mesmo é mais perverso do que o que engana os outros. Isso porque aquele que engana os outros está muito mais próximo de cair em si do que aquele que engana a si mesmo.
O profeta Isaías disse: “Paz… paz aos que vêm de longe e aos que vêm de perto.” Como Nilton conclui em seu livro a partir de um pensamento do rabino Abahu, para perceber o “bom”, é preciso apostar em muitos falsos “bons”, mas que, por profunda lealdade ao que é “correto”, jamais deixemos de ser não acomodados - transgressores. Espero e cultivo que sempre tenhamos a coragem de morder a maçã do conhecimento e atravessar quantos “mares vermelhos” forem necessários. Diante uma sociedade que foge da realidade, filmes como O Brutalista são importantes lembretes do que somos, de onde estamos, do que podemos ser e onde podemos estar.
“Não importa o que os outros tentem lhe dizer, o que importa é o destino, não a jornada.”

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