CRÍTICA: O MAL NÃO EXISTE: Como proteger algo tão perfeito sem o mal?
- João Paulo
- 4 de ago. de 2024
- 4 min de leitura

Quando estou indo para o trabalho, é difícil não levantar a cabeça, olhar para cima e observar as árvores. A forma como cada uma, diferente da outra, se complementa. A beleza que existe no desenho dos galhos e como rasgam o céu. Existe uma imponência, uma grandiosidade, e também um equilíbrio. Ainda que as calçadas de Belo Horizonte sejam um desafio e olhar para baixo seja necessário, diminuir o passo e se dar esse momento de fugir um pouco desse mundo, admirá-lo, permite uma certa serenidade. Ali o mal não existe. Até existir.
Após uma sequência inicial de minutos voltada para o alto, durante o dia, sob a perspectiva inocente, curiosa e aventureira de uma criança, o silêncio é interrompido pelo som de uma serra elétrica. As árvores, antes imponentes, agora em pedaços nas mãos do homem. Todavia, madeira que servirá como lenha. Proporcionará calor e moradia.
Durante todo o filme somos confrontados com essa dicotomia: a oposição entre duas coisas. A paisagem viva que também repousa o cadáver de um cervo alvejado por caçadores. A vida e a morte coexistindo. O silêncio e a tranquilidade da floresta em contraste com o barulho e a poluição visual da cidade. A paz do campo perturbada pelos interesses das grandes cidades pelo capital. O estado das coisas é abalado quando uma empresa pretende abrir um negócio para atrair turistas que, consequentemente, irá poluir nascentes que os moradores usam para viver. Mesmo com resistência dos locais, não há qualquer iniciativa dos executivos para impedir que isso aconteça.
Em um momento chave do filme, Takumi, interpretado por Hitoshi Omika diz:
"Meus avós eram colonos. Esta região foi concedida ao povo para o cultivo, após a guerra. Não tem uma longa história. De certa forma, todos nós somos forasteiros. Forasteiros que desenvolveram esta região. Mas que também prejudicaram o meio ambiente. Equilíbrio é fundamental. Se ultrapassamos os limites, o equilíbrio é perturbado."
Em uma cena, os personagens conversam sobre como cervos não costumam interagir com humanos. Apenas quando ameaçados, perseguidos e machucados. Um animal ferido age impulsivamente e inconsequentemente para se defender e proteger os seus. Um exemplo que é essencial para entender o que o filme quer dizer. Assim como Takumi menciona, a intervenção humana muitas vezes quebra o equilíbrio natural, trazendo consequências inevitáveis. Em nenhum momento o mal é mencionado. Não precisa ser. O que torna tudo ainda mais inquietante. Ainda reflito muito sobre o final. Como o dia foi substituído pela noite, os passos leves pelos pesados e desesperados? Como proteger o que para nós é precioso?
O filme tem uma história simples, mas a forma como é contada é sofisticada. Mesmo com menos de duas horas de duração, este pode ser considerado um longa que abraça a vertente do cinema lento, também conhecido como cinema contemplativo. Caracterizado por priorizar tomadas longas e trazer um estilo minimalista e com menos diálogos. São filmes desafiadores que para novos públicos podem parecer entediantes e parados demais, mas com o tempo e conforme nós nos permitimos vivenciar essas experiências, eu acredito que eles podem ser experiências únicas.
O cinema lento permite uma conexão diferente com a história e os personagens. Permite pensar, imaginar, se perguntar, reparar cada detalhe e som. Algo que quando bombardeados com informações o tempo todo, não se percebe. Não consumimos apenas de forma passiva, mas ativa. Uma verdadeira reação à pós-modernidade. O filme, na sua forma, enfatizando sua história. Hoje, numa realidade onde os filmes fazem cenas cada vez mais curtas, rápidas, em contrapartida o cinema lento estica a cena o máximo possível. Filmes como o aclamado Jeanne Dielman de 1975 ou o recente Inside the Yellow Cocoon Shell são exemplos disso.
É um equívoco afirmar que nada acontece nesses filmes. Mesmo que pouco seja, de fato, falado, muito é transmitido. É um gênero para histórias mais introspectivas. Apenas assim conseguimos abordar e experienciar certas coisas. Como, por exemplo, a representação do que é bom ou mau e o equilíbrio entre eles. Algo tão complexo que aqui é feito de forma natural, mas profunda.
Olhando para o plano geral das coisas, observando a vida e o universo de forma crua, não existe bem ou mal. Apenas o universo batendo feito um tambor indolente. Então, de fato, o mal não existe. Para lidar com isso, viver com o peso que é existir e vivenciar coisas tão horríveis, nos seguramos em um deus ou em algo maior do que nós. Por outro lado, sim, o mal existe. Tudo depende do ponto de vista. Essa é a palavra que encontramos para descrever tudo aquilo que deve ser combatido, destruído. E voltamos ao ponto de partida: o mal não existe sem o bem.
O Mal Não Existe, dirigido por Ryūsuke Hamaguchi, é um filme que nos leva a refletir sobre o equilíbrio delicado entre a criação e a destruição, a vida e a morte. Assim como as árvores que admiramos, que se erguem imponentes e ao mesmo tempo frágeis, somos parte de um equilíbrio maior, em que nossas ações e decisões moldam o mundo ao nosso redor. O cinema lento nos oferece uma oportunidade única para explorar essa dualidade, permitindo-nos um espaço para a contemplação e a introspecção. Ao buscar essa harmonia em nossas vidas, podemos entender melhor a complexidade de nossa existência e encontrar significado na interconexão entre todos os elementos que definem nossa realidade. É essa dualidade que dá profundidade às nossas experiências e nos ajuda a navegar entre o bem e o mal, criando um equilíbrio que, embora sutil, é essencial para a nossa compreensão do mundo.
“Este é o manifesto da Mãe Monstro: Em GOAT, um território espacial de propriedade do governo, ocorreu um nascimento de proporções magníficas e mágicas. Mas o nascimento não foi finito, foi infinito. À medida que os úteros foram contados e a mitose do futuro começou, percebeu-se que este momento infame da vida não é temporal, é eterno. E assim começou o início da nova raça; uma raça dentro da raça da humanidade; uma raça que não suporta preconceitos, nem julgamento, mas liberdade ilimitada. Mas naquele mesmo dia em que a Mãe Eterna pairava no multiverso, outro nascimento, mais aterrorizante, ocorreu: o nascimento do mal. E quando ela própria se dividiu em duas, girando em agonia entre duas forças supremas, o pêndulo da escolha começou a sua dança. Parece fácil, você imagina, gravitar, instantânea e inabalavelmente, em direção ao bem, mas ela se perguntou: “Como posso proteger algo tão perfeito sem o mal?” - Monólogo do clipe Born This Way de Lady Gaga.

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