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CRÍTICA: PEARL: O pior gênero de loucura.

  • Foto do escritor: João Paulo
    João Paulo
  • 15 de jul. de 2024
  • 4 min de leitura


Em X, lançado poucos meses antes de Pearl, conhecemos Maxine. Ela sabe que está destinada a grandes coisas, que quer ser uma estrela e que o mundo todo saberá seu nome. No meu último texto, não encontrei espaço para explorar melhor a relação entre ela e Pearl. Escolhi focar mais nos temas que o filme carrega, como as camadas que colocamos sobre o sexo e a velhice, mas é importante lembrar dessa outra parte crucial da história que nos introduz ao segundo filme. Entender com mais profundidade o que tornou Pearl quem ela era e como isso é essencial para apreciarmos completamente o arco narrativo dessa personagem tão complexa.


No primeiro filme, somos apresentados a essas personagens e é notável como elas compartilham uma conexão visceral e imediata. Maxine é uma personagem poderosa e irreverente que batalha pela vida que quer, e Pearl se enxerga nela. Não por quem é hoje, mas por quem já foi quando era jovem. Ainda não sabemos dos detalhes, mas entendemos que ela também tinha o sonho de ser uma estrela. Maxine carrega como um mantra a frase “Não aceitarei uma vida que eu não mereço” e, depois de tudo que ela enfrenta em X, inclusive a própria Pearl, seu futuro ainda é uma página em branco. Mas e Pearl? O que aconteceu na sua vida para que tudo acabasse desse jeito? Sua angústia, seu inferno, seu maior peso era pensar na possibilidade de passar a vida inteira naquela fazenda, e ela passou. Pearl morreu ali.


Nesse segundo filme da trilogia, Ti West traz uma atmosfera completamente diferente para contar essa história. Ambientado em 1918, Pearl traz claras referências a O Mágico de Oz, Carrie, A Estranha e até Sunset Boulevard. É um filme que tem uma estética tecnicolor vibrante, uso de cenários bucólicos, temáticas de repressão, violência e apresenta uma personagem com aspirações de estrelato e uma descida à loucura, tal qual Norma Desmond. Ti West utiliza essas referências para criar um universo rico e multifacetado, homenageando o cinema clássico enquanto constrói uma narrativa moderna e original.



A história começa quase de forma fantasiosa. Com a fazenda mais colorida do que nunca, Pearl conversa com os animais e sonha com um futuro para ela. Não demora até vermos a realidade como ela realmente é. Ela é uma mulher incomum, cujo marido foi para a guerra sem data para retornar, com um pai incapacitado e uma mãe extremamente restritiva e controladora. Apesar disso tudo, o maior sonho de Pearl, que ela mantém vivo como pode, é ser dançarina nas telas dos cinemas. Enquanto X aborda principalmente o medo do sexo e do envelhecimento, algo que Pearl também explora de certa forma, este segundo filme foca principalmente na repressão de desejos, no medo do fracasso e em uma ambição fora desse mundo.


É entendendo as experiências, medos e frustrações de Pearl acumuladas ao longo dos anos que percebemos como elas moldaram suas ações e decisões. É através dessa compreensão que podemos ver além de suas atitudes extremas, reconhecendo as feridas emocionais e os sonhos despedaçados que a levaram ao seu trágico fim. Pearl não é apenas uma vilã; ela é um produto de suas circunstâncias, das expectativas esmagadoras e das oportunidades negadas. Ao explorar sua jornada de maneira mais detalhada, o filme não apenas enriquece a narrativa, mas também humaniza uma figura que, à primeira vista, poderia ser facilmente demonizada. Isso nos faz questionar até que ponto o ambiente e as experiências de vida podem influenciar e distorcer as aspirações e a moralidade de uma pessoa.



Ainda que de forma superficial, mais como uma ambientação histórica, a pornografia está sempre presente na trilogia. Ela é uma parte da nossa cultura que reflete mais sobre nós do que gostaríamos. É algo que sempre existiu e vai existir até o fim da sociedade como a conhecemos. Seria ótimo se Ti West tivesse mergulhado ainda mais nessas temáticas. Acredito que o que impede X e Pearl de alcançarem seu maior potencial é reconhecer que Ti West poderia ter ousado e se arriscado ainda mais. Seu repertório está todo ali. Seu talento e suas ideias são palpáveis e isso é inegável. Talvez sua mensagem soaria ainda mais concreta e madura se houvesse espaço para que ela se desenvolvesse apropriadamente dentro da história. Não apenas como um pano de fundo, mas como uma parte crucial da narrativa.


Poucas coisas são piores do que ver sua vida desmanchar diante dos seus olhos. Não ter o privilégio de sentir o sabor da vida, criar perspectivas e sonhar algo maior do que simplesmente o ordinário. É difícil descrever com palavras o quanto os sonhos de Pearl são importantes para ela. Mia Goth, mais uma vez, entrega, com verdade, uma de suas melhores performances da carreira. Também creditada no roteiro, junto com Ti West, o monólogo final é uma das cenas mais honestas, cruas e avassaladoras dos últimos anos. Há tanta dor. Pearl não é inocente, mas entendermos um pouco mais da sua história nos permite enxergar essa personagem com mais nuances e entender suas motivações. Existe ali sua própria estranheza, não compreendida por ela, por sua mãe e pelo mundo, existe a limitação e a liberdade de viver uma vida sob seus próprios termos, a ausência de seu marido e um sonho maior do que muitos podem carregar.


“O que mais temo, creio, é a morte da imaginação. Quando o céu lá fora está todo rosado, e os telhados estão negros: essa mente fotográfica que paradoxalmente diz a verdade, mas a verdade inútil, a respeito do mundo. É o espírito que sintetiza, a força ‘modeladora’ que brota prolífica e cria seus próprios mundos com mais inventividade do que Deus, o que eu desejo. Se me sento imóvel, sem fazer nada, o mundo segue batendo feito um tambor indolente, sem significado. Precisamos nos mexer, trabalhar, criar sonhos e persegui-los; a indigência da vida sem sonhos é terrível demais de imaginar: é o pior gênero de loucura”. Sylvia Plath



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