CRÍTICA: SORRIA 2: “Você nunca escapará de quem você é por dentro.”
- João Paulo
- 20 de out. de 2024
- 3 min de leitura
Somos corroídos e torturados todos os dias por quem somos, pelo que fazemos e por quem julgamos ser. Somos assombrados constantemente por tudo aquilo que nos arrependemos, por tudo que não conseguimos fazer ou ser. Incontáveis vezes escolhemos não encarar quem somos ou o que acontece conosco. A franquia Sorria, ao contrário do seu nome, é bem pessimista nesse aspecto. O primeiro filme conta a dolorosa história de uma psicóloga atormentada pelo seu passado, agora materializado, e Sorria 2 não é diferente. Apesar de ambos terem uma estrutura bem semelhante, a sequência consegue, na mesma medida, divertir e chocar o suficiente para ser lembrada.
Skye Riley, interpretada de maneira feroz pela atriz Naomi Scott, é uma cantora famosa que retorna aos holofotes após um trágico acidente e seu envolvimento com drogas. Na superfície tudo parece conspirar para um bom retorno, mas seu corpo começa a pedir atenção através da dor, através das suas cicatrizes. O que não a impede de continuar até chegar ao seu próprio limite. Assim como Sorria de 2022, Sorria 2 possui uma construção tortuosa, imperfeita, em direção a um final impactante e memorável. É uma sequência ainda mais espalhafatosa, o que consolida seu tom trágico e cômico, como também, apesar de não trazer respostas ou ampliar o universo criado, magnifica as consequências.
O filme peca e acerta nos mesmos pontos que seu antecessor. Apesar de ter uma proposta instigante e dramática, sua história fica na superfície a maior parte do tempo. Ela é expositiva e não busca se levar a sério, o que pode ser algo bom e ruim ao mesmo tempo. Tem cenas gráficas, exageradas e divertidíssimas. Ambos os filmes têm um lado mais sombrio, que choca, como também abraçam o absurdo com cenas impensáveis e situações sem sentido. São histórias pessimistas que lidam com o trauma, a fuga do trauma e da identidade. Ambos com protagonistas mulheres fortes, resilientes, com atuações memoráveis. Personagens que se negam a reconhecer seus passados e mergulham em uma espiral de loucura até o inferno. A performance de Naomi Scott é tão intensa quanto a de Sosie Bacon. É impossível não ser convencido, não se deixar levar, não mergulhar na dor das personagens, não sentir o horror através de seus olhos e seus gritos.
A impressão que tenho de ambos acaba sendo a mesma: Dentro deste filme de estúdio de grande orçamento, existe uma grande história com o potencial de ser algo maior. Com medo de ser original demais, mas corajoso o suficiente para ousar e trazer frescor ao gênero esses anos. Existe em Sorria 1 e 2 essa tentativa clara de agradar todos os públicos com o suficiente para não ser superficial demais e nem chocante demais. Apenas o ideal para ser uma experiência divertida, aterrorizante e memorável. Uma experiência previsível, mas que entretém acima de tudo.
Muitos reclamam que existem filmes de horror demais que abordam questões semelhantes, mas que na sua maioria não sabem aprofundar suas histórias sem cair no clichê. Mike Flanagan é um exemplo de cineasta que sempre explora temáticas sensíveis em seus projetos de forma rica, verdadeiramente humana e sincera, sem abandonar o horror. Parker Finn, o diretor de Sorria, demonstra ter cuidado nesse aspecto. Acredito que quanto mais oportunidades lhe forem dadas, cada vez mais ele poderá experimentar sem se preocupar com a recepção das pessoas dando espaço para histórias mais autorais e originais. Seus filmes são inventivos e brincalhões na forma como exploram a câmera e seus pontos de vista. Muitas vezes escolhe dar maior foco para a reação das personagens antes de mostrar o que está acontecendo por trás da câmera. Ambos os filmes dão prioridade aos rostos das protagonistas e como elas reagem ao mundo que é apresentado para elas. Há momentos gráficos no decorrer do filme, mas o verdadeiro e explícito horror é guardado para o final.
Acredito existir verdadeiro potencial em histórias que não têm medo de nos lembrar que o verdadeiro mal reside dentro de nós mesmos. Reside na tentativa inútil e desesperada de fugirmos de quem realmente somos quando, na verdade, não há escapatória de nós. Não importa o quanto neguemos. Nosso passado, nossos traumas, sempre retornarão para nos assombrar. Seja pro bem ou pro mal, nós crescemos a partir do trauma assim como existimos além dele. Negá-lo é negar você mesmo. Não enxergá-lo de maneira vitimista, paralisante, mas real. Sentir o que for necessário sentir para seguir em frente. É um processo que pode levar uma vida inteira. A entidade, demônio, espírito, que se manifesta em Sorria, nada mais é que a materialização desse processo ao contrário. Do horror, da dor, da resistência de reconhecer e acolher o mal em nós.
“Se você olhar na face do mal, o mal olhará de volta para você.” Sister Jude - American Horror Story: Asylum
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