CRÍTICA: TERRIFIER 3: Filmes que subvertem o Natal através do horror.
- João Paulo
- 4 de nov. de 2024
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Quando eu era pequeno, costumava amar o Natal. De todos os meus irmãos, imagino que eu era o mais apaixonado pelo feriado, pelas decorações, luzes e pela tradição de reunir-se com nossos entes queridos para celebrar o melhor da vida. Era uma época do ano para nos desligarmos um pouco da maldade, das condições de realidade absoluta, e nos prepararmos para um novo ano. Eu não focava no lado religioso da data, mas sim no costume de estar com quem amamos e de presentear essas pessoas. Costumava insistir para montarmos a árvore de Natal o quanto antes. Era o primeiro a começar e o último a terminar. No entanto, apesar de todo o encanto da época natalina, eu sempre me decepcionava. Sempre me faltava algo. Nunca era o que eu esperava; nunca era feliz o suficiente.
Com o passar dos anos, o Natal foi deixando de ser um feriado mágico para mim e se tornando um feriado ingênuo e hipócrita. Adjetivos fortes que fogem da magia, da simplicidade e da artificialidade de antes. Independentemente do quão desestabilizada estava minha família, do quão mal estávamos, por algumas horas, procurávamos fingir, forçar, que estávamos bem. Não só minha família, mas o mundo todo, durante o fim do ano. As incoerências e hipocrisias eram impossíveis de ignorar e, com o tempo, só se tornavam cada vez mais evidentes e insuportáveis: o caráter consumista, os valores que incentivamos mas não praticamos, famílias unidas apenas pelo sangue… Mas foi só quando passei o Natal completamente sozinho que essa data deixou de significar para mim o que significava antes.
Desde criança, eu também sempre amei o Halloween. Mais uma vez, o único em casa. Amava as fantasias, os filmes de horror, suspense, terror, as maquiagens, as músicas e as festas. Existe uma beleza ainda mal vista nesta data: a beleza que é dar espaço para o estranho, para o desconfortável, para a criatividade. Uma festividade que, apesar de na superfície ser amedrontadora, tem um senso de humor único. Uma data que, direta ou indiretamente, acaba se contrapondo ao Natal, e é brincando com essa dualidade que nascem os filmes que corrompem e subvertem o Natal. Filmes que exploram uma visão menos convencional e mais sombria dessa que é conhecida como a "época mais maravilhosa do ano".
Filmes como Black Christmas, Christmas Evil, Silent Night, Deadly Night e agora Terrifier 3 são alguns exemplos que distorcem e brincam com a representação do Natal. Uma data antes feliz, segura e confortável, agora ameaçadora, ridícula, irônica e trágica. Esses filmes usam o Natal como pano de fundo para o horror, jogando com o contraste entre o espírito de renovação e as forças destrutivas, explorando o lado sombrio e os medos escondidos dessa época. Não surpreende que uma época, na superfície, tão feliz, provoque tanta depressão e desperte tanta solidão em cada um de nós. Quando o mundo é real demais, a positividade tóxica que vem junto com o Natal pode ser torturante. Não há como ignorar o mal.
Assim que anunciaram que Terrifier 3 se passaria no Natal, fiquei ainda mais animado! A franquia, desde o começo, ultrapassa limites, supera seus próprios obstáculos e, cada vez mais, tem encontrado seu lugar no horror. Desafia a moralidade, o status quo, e tem conquistado novos públicos. Art, o Palhaço, não é um personagem qualquer, e seus filmes aproveitam cada segundo disso. Com o novo capítulo ambientado nas festas de fim de ano, esta é mais uma oportunidade de explorar o terror, o caos e confirmar o tom especial de humor ácido que já vem sendo construído desde o primeiro filme. Terrifier 3 se destaca por ser irreverente, inconsequente e impiedosamente hilário. Como prometido, o filme supera seus antecessores em todos os aspectos.

Mais uma vez, limites são ultrapassados. Terrifier não se resume apenas às cenas de violência extrema – cenas que não poupam o espectador de forma alguma. São tão aterrorizantes, nojentas e repulsivas quanto fascinantes, inventivas e divertidas. Além da violência exorbitante, o filme carrega um humor muito característico. Art, o Palhaço, está mais engraçado, atrevido e presente do que nunca. Eu me via no cinema gargalhando com suas caras e bocas, sua postura e, em seguida, assombrado pelo seu olhar e sorriso medonhos. Apenas Terrifier pode nos fazer rir e querer vomitar ao mesmo tempo.
Se antes a franquia sofria por não aparentar ter uma história convincente, agora, além de entregar uma experiência desconfortável, apresenta mais personagens e contexto, revelando-se um filme disruptivo que brilha aos olhos por ser diferente de tudo que está em cartaz atualmente. Existe humor até nos cenários mais impensáveis, absurdos, gráficos e violentos possíveis. Não consigo pensar em nenhum personagem fictício atualmente que tenha o carisma e a maldade de Art, o Palhaço.
Não é um gênero de filme para todos e, mais uma vez, não procura ser. Ainda assim, a cada ano que passa, Terrifier só vem se superando, crescendo e ultrapassando grandes blockbusters. O que começou como um projeto independente de baixo orçamento hoje está em cartaz nos cinemas ao redor do mundo. Conscientemente ou não, as pessoas buscam por isso. Terrifier 3 une horror, comédia e gore de forma desconcertante e atraente. É uma franquia que aparenta ter um grande futuro pela frente. O diretor Damien Leone abraçou sua ideia e, através dela, expressa toda sua paixão, admiração e carinho pelo cinema de gênero. O palhaço mudo veio para ficar.

Quando é verdadeiro e sincero, vejo muito potencial no Natal. A maneira como ele se vende é, de fato, hipnotizante, convincente, eficaz e talvez por isso tenha o alcance que tem. Uma época do ano que incentiva a prosperidade, palavra essa que tem sido usada de maneira perigosa nos últimos anos. Tão atrativa, sedutora quanto manipuladora. Algo refletido na ascensão do fundamentalismo religioso no Brasil e na forma como a religião e políticos de extrema direita atingem as massas através dos seus traumas, desejos e medos. O Natal, da mesma maneira, funciona como uma anestesia generalizada.
Um dia, eu espero encontrar beleza nesse feriado novamente. Ressignificar este que é um período muito doloroso para mim e muitas pessoas. Talvez eu já o tenha feito. Encontrei no horror, no absurdo e no profano uma moradia. Por mais estranho que possa ser, me sinto visto e me permito mergulhar nessas experiências absurdas. O horror, talvez mais do que qualquer outro gênero do cinema, tem o potencial e a coragem de ser desconfortável. E Terrifier é tudo, menos confortável. Talvez, ao abraçar o grotesco e o desconforto, eu tenha encontrado minha própria maneira de celebrar o Natal – uma forma de dizer que, sim, a vida é assustadora, mas é exatamente isso que a torna tão real.

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