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CRÍTICA: TERRIFIER: Explorando nosso fascínio pelo grotesco e pela "arte imoral".

  • Foto do escritor: João Paulo
    João Paulo
  • 13 de out. de 2024
  • 4 min de leitura

Acredito que todos nós, em algum momento de nossas vidas, já passamos pelo seguinte cenário: Dentro de um carro, um ônibus, enquanto nos dirigimos até um ponto, no meio do caminho nos deparamos com um acidente de carro. Um grave acidente. Pessoas se aglomeram em volta, os carros passam em baixa velocidade. Não por segurança, mas por curiosidade. Algumas pessoas desviam o olhar e outras, por mais contraditório que seja esse interesse, observam atentamente. Um prazer culposo. Consumimos diariamente, seja ou não da nossa vontade, vídeos de violência explícitos na internet, nos jornais e sobrevivemos a uma realidade mais chocante e verdadeira do que podemos aguentar. Talvez, de certa forma, para nós que conscientemente ou inconscientemente encaramos o acidente, a violência, neste ato buscamos descobrir nossos próprios limites. 


Diante desse cenário, artistas encontraram na arte um espaço seguro e aberto para serem e explorarem suas fantasias mais cruéis e questionáveis. Um lugar livre de moral que desperta o choque, o questionamento, o horror, a adrenalina e o prazer. Terrifier, filme de 2016 dirigido por Damien Leone, é um exemplo de slasher que desafia e empurra esses limites ainda mais. Por um olhar moral, irá causar espanto e revolta de inúmeras pessoas. Algo que sequer deveria ser reconhecido como arte. Por outros olhos, é mais do que apenas entretenimento. Afinal, a arte precisa ser moral? O que explica a nossa satisfação e fascinação por filmes dos gêneros slasher e giallo?


Se perguntar se a arte deve ser moral ou não é um questionamento profundamente filosófico que tem sido debatido por séculos. Não existe uma resposta definitiva já que ela depende de como a arte é definida, vista, em cada sociedade. Qual sua finalidade e quais os limites da liberdade criativa. Alguns argumentam que a arte carrega, sim, uma responsabilidade moral já que ela pode influenciar e provocar profundamente o público. Segundo esse raciocínio, a arte deve contribuir para o bem estar social, a justiça e evitar o ódio ou preconceitos.


Por outro lado, outros argumentam que a arte não deve estar restrita a uma moralidade específica, sendo um espaço de total liberdade criativa. Um lugar aberto para explorar temáticas sensíveis e polêmicas de maneira irreverente, crítica e controversa. Essa é uma perspectiva que valoriza a autonomia e a capacidade do artista de explorar o que é desconfortável e perturbador. Para os que pensam assim, a arte é um reflexo da condição humana, que inclui o belo, o grotesco, o moral e o imoral. Oscar Wilde, por exemplo, defendia que “a arte é amoral” e que seu papel não é instruir, mas deleitar e provocar. 



Considerando tudo isso, existe uma linha muito tênue que até hoje torna esse debate complexo e paradoxal. A obra e como as pessoas reagem a ela com o decorrer do tempo são formas de enxergar o impacto da arte ao longo das gerações em cada sociedade. Ao mesmo tempo que Terrifier é uma homenagem declarada para cineastas como Wes Craven, George A. Romero e Tobe Hooper, o filme também traz um refresco para o gênero. Em tempos que o cinema se encontra tão polido e conservador, é sempre admirável propostas que verdadeiramente se recusam a seguir o status-quo e abraçam o grotesco, o impensável. Além disso, o filme introduz um personagem que vem se tornando nos últimos anos um fenômeno cultural. É um projeto de baixo orçamento, com cenas gráficas e extremas de violência, que aos poucos foi ganhando espaço e hoje, faltando semanas para estrear Terrifier 3, Art, o Palhaço, já está sendo comparado com ícones como Freddy Krueger e Michael Myers.


Não é um filme que tenta ser algo maior do que ele realmente é. Terrifier está longe de ser sofisticado. Não se espera que seja. Possui uma história fraca, sem profundidade, com personagens sem uma construção e propósito palpáveis, mas, independente disso tudo, entrega uma experiência desconfortável e inconsequente. Um palhaço mudo que expressa horror, sadismo e humor apenas com suas feições. Seus gestos, seu andar, sua presença, são, no mínimo, perturbadores e cômicos. Além de toda a violência, todo o sangue e tripas, existe um entusiasmo ou, como disse no começo, um prazer culposo em assistir histórias como essa. Filmes que assistimos despretensiosamente para explorar de forma segura nossos medos e limites. Explorar o fascínio pelo grotesco e pelo desconhecido. Buscamos adrenalina e excitação. Transgressão e desafio às normas. 


Dessa forma eu acredito que seja a arte moral ou imoral, ela serve como uma janela para compreendermos nossos próprios limites e fantasias. Afinal, ela é nada mais que um reflexo de nós. Daquilo que é falado e do que não é falado; daquilo que é visto e do que não é visto; daquilo que está tão enterrado dentro de nós e encontra na arte significado e moradia. Algo que Terrifier faz ao abraçar o grotesco sem medo de rejeição. Além de toda a moralidade ou imoralidade, acredito que o verdadeiro olhar humano é saber reconhecer a imoralidade na moralidade e a moralidade na imoralidade. 


"Existe bondade em você? Em algum lugar do seu coração? Alguma vez sentiu o toque de uma mãe? Não consegue ter piedade?"



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