CRÍTICA: X: O que é mais assustador? Sexo, envelhecer ou os dois?
- João Paulo
- 10 de jul. de 2024
- 4 min de leitura

Sempre me perguntei o que é mais assustador: envelhecer ou morrer? Às vezes envelhecer e o próprio conceito de tempo conseguem ser, para mim, ainda mais assustadores do que a morte. Todas as imagens que associamos ao processo de envelhecimento passam na minha cabeça: a decadência, a impotência, a perda da juventude, a perda do controle sobre nós mesmos e a dificuldade de lidar com nossos desejos. Desejos que, ao contrário do nosso corpo, não envelhecem. Não acompanham esse processo natural e comum a todos nós. De certa forma, existe em todos nós uma negação nesse sentido.
Hoje todos recorremos a formas de ficarmos jovens por mais tempo e retardar, o máximo possível, essa que é uma parte tão significativa de nossas vidas. Existe a negação, a repressão, o arrependimento e o ódio. O ódio em nós de tudo aquilo que não conseguimos ser e o ódio do outro que nos lembra disso. X, dirigido por Ti West, além de um exemplo de filme que resgata o slasher no começo dos anos 2020 e traz referências a clássicos do horror, vem com uma perspectiva, ainda que breve, sobre o sexo e os tabus que uma palavra tão pequena como essa carrega até hoje. Uma sociedade que teme corpos.
Em muitos filmes, corpos idosos são retratados de forma amedrontadora e repulsiva. Em X não é diferente. É algo que fica aberto para cada pessoa compartilhar sua visão sobre a obra, mas para mim aqui é feito de maneira que revela mais algo em nós do que nos personagens. X usa e subverte estereótipos de pessoas idosas em filmes de terror. Pearl e Howard são a representação levada ao extremo de um casal de idosos que parou no tempo, mas o tempo não fez o mesmo por eles. Sem perspectiva, sem cor, sem vida, sem sexo. Quando chega um grupo de jovens para gravar um filme pornô na fazenda deles, essa é a materialização de tudo que eles, inconscientemente, desejam profundamente, mas na prática abominam, repudiam e fazem o impensável para punir quem vive dessa forma. Da mesma maneira que esses jovens são para Pearl e Howard algo nojento, mas difícil de desviar o olhar, o casal de idosos é para nós.

Há uma cena, logo no começo do filme, quando o grupo de jovens está na estrada e passa por um acidente. Uma vaca tinha acabado de ser atropelada por um caminhão. Como todo acidente, os carros passam devagar, curiosos, para enxergar o que aconteceu. Existe em todos nós uma aversão a coisas assim, mas incontrolavelmente uma vontade de olhar. Um prazer inconsciente que não tem a ver com moral ou julgamento. É algo que, inclusive para mim, ainda é difícil de entender. E é incrível como essa cena que solta não significa nada, mas no contexto maior traz uma subjetividade e acrescenta ainda mais informações para o que o diretor quer passar.
Em um dos melhores diálogos do filme, a personagem interpretada pela Jenna Ortega pergunta para Maxine, interpretada pela Mia Goth:
- E o amor?
- O que tem?
- Não acreditam nele?
- É claro que acreditamos no amor.
- Como pode amar alguém e ainda ficar com outras pessoas?
- Você acha que a gente não tem princípios ou algo assim? É isso? Me escuta. Deixar que tradições antigas controlem como você vive sua vida não vai te levar a lugar nenhum. Eu não sei quanto a você, mas eu tenho lugares melhores para estar do que o lugar de onde eu vim. E além disso, é só sexo. Você pode decidir quem você quer amar, mas não quem quer foder. Atração está fora do nosso controle. Não é saudável manter esses sentimentos trancados dentro de nós.
Aí entra Bobby-Lynne interpretada, maravilhosamente, pela Brittany Snow:
- Todo mundo gosta de sexo. É um combustível. A gente só não tem medo de admitir. Gay, hétero, preto, branco... É tudo disco! Sabe por quê? Porque um dia estaremos muito velhos pra transar. E a vida é curta demais se você me perguntar. O fato é que deixamos as pessoas excitadas. E isso as assusta.
Maxine complementa:
- Mas elas também não desviam o olhar.
E Bobby finaliza com:
- Isso! Somos como um acidente de carro que dá tesão.
Ainda que X explore superficialmente esses temas, aproveitando a maior parte do seu tempo para desenvolver a narrativa, criar uma atmosfera e dar o tom de slasher que procura, acredito que seja um filme que já brilha por pelo menos introduzir ideias e questionamentos ainda tão controversos e mal vistos pelas pessoas. Desde a monogamia até a forma como sentimos e lidamos com a atração por outras pessoas, essas são coisas que desesperadamente procuramos ter controle e continuamente nos decepcionamos. Existe uma dificuldade imensurável ao lidar com a sexualidade do outro e com a sua própria sexualidade. O filme toma seus rumos e sabemos desde o começo como ele termina, mas isso não muda sua mensagem. Ela é reforçada.

X homenageia e faz referência a clássicos do cinema de horror como The Texas Chain Saw Massacre, Psycho e The Shining. A ambientação rural, os elementos de suspense psicológico, a tensão crescente e a forma como o espaço e o isolamento são usados para criar uma sensação de medo e paranoia ajudam a criar uma atmosfera rica e complexa em X, combinando elementos clássicos de horror com um toque moderno. Existe também um cuidado com a forma. A montagem contribui para a construção de cenas que carregam contexto e metalinguagem, o que enriquece a narrativa e a experiência do espectador. A fotografia é irônica, bela e aterrorizante.
X ressuscita o melhor do slasher adicionando novos elementos e introduzindo esse gênero a uma nova geração de fãs. Ti West entrega uma experiência maluca e inconsequente que vai te entreter em vários momentos. Gostaria também de ressaltar a performance estrondosa de Mia Goth e todo o carisma do elenco que juntos fizeram isso possível. Em 2020 era um filme diferente de tudo que estava passando naquele momento. Essa coragem e ambição devem ser valorizadas. Ainda que tenha suas próprias limitações para se adequar ao que as pessoas esperam de um filme como esse, X cumpre seu papel e conta o primeiro capítulo de uma trilogia com tesão e amor.
“One goddamn fucked up horror picture.”

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